Um bom exercício do direito à cidade
Um bom exercício do direito à cidade*
Kazuo Nakano
Os moradores do distrito Santa Cecília realizaram uma prática de cidadania simples, mas exemplar. Eles se organizaram para discutir alguns problemas urbanos existentes tanto nos seus locais de moradia quanto nas suas redondezas, buscaram dados oficiais sobre o distrito que ajudam na análise dos problemas vivenciados no dia a dia e formularam um documento sintético com um conjunto de propostas claras e objetivas que certamente ajudam a resolver aqueles problemas apontados.
Ao elaborar as análises dos problemas do distrito Santa Cecília e definir as propostas de ação, se levou em conta as necessidades dos moradores e, também, dos transeuntes, trabalhadores e usuários que utilizam as diversas oportunidades da vida urbana existentes naquela parte central da cidade. Essa visão do distrito como espaço para inclusão social e convívio entre diversidades faz com que aquelas propostas enfatizem as melhorias e a democratização dos espaços públicos.
Entretanto, esse bom exercício do direito à cidade não encontra encaminhamentos adequados junto à prefeitura do município e corre o risco de cair no vazio. A participação cidadã com o envolvimento dos diversos setores da sociedade não é um princípio que rege a atual forma de governo municipal. Prevalecem modos impositivos e não transparentes nas tomadas de decisões e ações relacionadas com assuntos de interesse público. A decisão judicial que suspendeu e invalidou o processo de revisão do Plano Diretor Estratégico por falta de um processo participativo verdadeiro comprova aquela avaliação.
Ademais, as propostas dos moradores de Santa Cecília são bastante adequadas para serem incorporadas em um Plano de Bairro que, apesar de previsto no Plano Diretor Estratégico desde 2002, não foi levado adiante em nenhum lugar da cidade. Os órgãos responsáveis pelo desenvolvimento urbano da prefeitura ignoraram solenemente essa importante escala do direito à cidade.
Ainda se tivéssemos Conselhos de Representantes em nossas Subprefeituras, propostos desde o início da década de 1990, nós teríamos um bom canal para debater aquelas propostas e definir os melhores encaminhamentos junto aos gestores da prefeitura e das Subprefeituras. A ausência desses Conselhos e as posturas antidemocráticas das Subprefeituras restringem a participação social na gestão da cidade. Tudo isso só prejudica a construção de um Estado Democrático de Direitos em nosso país.
* Texto publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo em 22 de outubro de 2010.
Kazuo Nakano é arquiteto e urbanista do Instituto Pólis.