Raquel Rolnik: Entregar nossos parques estaduais a empresas privadas é solução?
Nessa terça-feira (7), a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou Projeto de Lei proposto pelo Executivo estadual que autoriza a concessão para a iniciativa privada de 25 parques públicos estaduais, por até 30 anos, para exploração de ecoturismo, madeira e subprodutos florestais (veja a lista completa ao final do texto). Elaborado em 2013, o projeto foi discutido pela última vez em audiência pública em 2015. Na semana passada foi desenterrado e colocado para votação em regime de urgência. A justificativa é que atrairá investimentos para o Estado em um momento de crise fiscal e falta de recursos para fazer a gestão destes bens comuns.
Só que o que poderá ou não ser explorado comercialmente pela iniciativa privada em cada um desses parques, e em que condições, só será definido posteriormente, em editais de concessão específicos para cada um dos parques a serem concedidos. O projeto aprovado pelos deputados não apresenta sequer diretrizes mínimas que orientem tais editais. Integrantes do conselho estadual do meio ambiente inclusive foram pegos de surpresa, pois não foram consultados antes da redação final do projeto.
É importante ressaltar que os parques incluídos neste projeto são dos mais diversos tipos e tamanhos, estão localizados em várias regiões do estado, e já possuem diversos usos, que não estão sendo considerados. Em alguns desses parques existem, por exemplo, projetos de pesquisa sendo realizados. Em outros, como o Parque da Ilha do Cardoso, a população caiçara já trabalha com o turismo. Há também núcleos de quilombolas e grupos vulneráveis que vivem hoje em vários desses parques. Essas pessoas não foram ouvidas na discussão desse projeto de lei, que também não menciona como a relação com elas e com as atividades que desenvolvem hoje nestes locais deverá ser tratada nos editais.
Se o debate público em torno do projeto de lei foi mínimo, o que esperar de um edital? Sem garantia de que haja qualquer processo de discussão com a sociedade, especialmente nas regiões onde estão localizados e com os setores diretamente afetados, estes certamente serão definidos basicamente por critérios de viabilidade econômico-financeira. E as formas e usos mais “viáveis economicamente” para a exploração comercial não são necessariamente as que melhor atendem ao interesse público da preservação socioambiental que definiu estas áreas como bens comuns.
O debate sobre as estratégias de enfrentamento da escassez de recursos deve ser realizado publicamente: as alternativas de gestão dos bens comuns não se resumem à sua mercantilização e não podem ser reduzidas a PPS, concessões ou… ao abandono. Os parques são bens comuns dos cidadãos, não são propriedade privada do governo do estado, muito menos do governador Geraldo Alckmin.
A população paulista tem todo o direito, aliás, tem o dever, de decidir o que ela considera que deva ser o destino dessas áreas e como elas podem ser geridas em tempos de escassez de recursos. Uma a uma, na sua especificidade, e com a devida cautela e o devido respeito a seus usuários, moradores e à sociedade.
Veja os parques que podem ser objeto de concessão para a iniciativa privada:
1. PE Campos Do Jordão
2. PE Cantareira
3. PE Intervales
4. PE Turístico do Alto Ribeira
5. PE Caverna do Diabo
6. PE Serra do Mar (Núcleo Santa Virginia)
7. PE Serra do Mar (Núcleo São Paulo)
8. PE Jaraguá
9. PE Carlos Botelho
10. PE Morro do Diabo
11. PE Ilha do Cardoso
12. PE de Ilha Bela
13. PE Alberto Löfgren
14. Caminho do Mar
15. Estação Experimental de Araraquara
16. Estação Experimental de Assis
17. Estação Experimental de Itapeva
18. Estação Experimental de Mogi Guaçu
19. Estação Experimental de Itirapina
20. Floresta Estadual de Águas de Santa Bárbara
21. Floresta Estadual de Angatuba
22. Floresta Estadual de Batatais
23. Floresta Estadual de Cajuru
24. Floresta Estadual de Pederneiras
25. Floresta Estadual de Piraju
Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada, por dois mandatos (2008-2011, 2011-2014). Foi diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo (1989-1992), coordenadora de Urbanismo do Instituto Pólis (1997-2002) e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (2003-2007), entre outras atividades profissionais e didáticas relacionadas à política urbana e habitacional. É autora dos livros “A Cidade e a Lei”, “O que é Cidade” e “Folha Explica: São Paulo”. Escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, no Yahoo! Colunistas, e às segundas, no caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo.
*Publicado originalmente no Portal!Yahoo.
**Replicado do Blog da Raquel Rolnik
Foto em destaque: Parque Estadual de Campos do Jordão – Alexandre Imamura/Flickr. Alguns direitos reservados.
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A discussão sobre as PPPs em áreas protegidas é sempre motivo para debates acalorados e muitas vezes ingênuos. O anúncio das unidades que poderão receber estas PPPs faz crer que estas áreas públicas serão integralmente repassadas para a sanha capitalista da iniciativa privada. Por sua vez, o governo utiliza as PPPs como o Santo Graal que vai aliviar o poder púbico das mazelas decorrentes da gestão do uso público em parques ou do árduo trabalho de manejo e comercialização de produtos de recursos madeireiros (e, eventualmente, não madeireiros) em floretas públicas nativas ou em projetos de reflorestamento de corte.
A questão também deve ser abordada sob a perspectiva de qual modelo utilizar para atender às necessidades econômicas destas áreas sem comprometer seus objetivos de conservação ou o acesso de diversas camadas da população. As PPPs em que já existem em algumas UCs do Brasil são pouco inclusivas e atendem melhor ao interesse de grupos econômicos de grande fôlego, deixando ao largo as possibilidades de empoderamento e promoção social e econômica para a população local. Além disso, no que se refere especificamente à visitação, é sempre necessário lembrarmos que a recreação e o ecoturismo tem a mesma importância que atividades de educação ambiental e não se pode tratar excursionistas, ecoturistas e grupos escolares do mesmo modo.
Barack Obama tem razão quando afirma que os Parques Nacionais são uma das melhores idéias que a América já teve. Precisamos aprender com esta América como lidar com as diversas possibilidades de aproximação entre a população e as áreas protegidas para benefício mútuo.
Retificando, por gentileza, me referi a Barack Obama.