DOSSIÊ COPA – Como a polícia se prepara para esse megaevento?
Nos primeiros dias do ano da Copa do Mundo no Brasil, já houve dois protestos contra a Copa do Mundo em São Paulo, ao menos 395 pessoas foram presas, um manifestante foi baleado pela polícia e um cinegrafista foi morto, após ser atingido por um explosivo usado durante uma manifestação.
Questionado sobre a segurança durante o megaevento a ser realizado em junho, o Governo Federal anunciou a formação de uma Tropa de Choque de 10 mil homens, que serão responsáveis por apoiar as polícias militares na contenção de protestos durante o evento. Para se ter uma idéia, a Tropa de Choque de São Paulo, a maior do país, possui 3 mil homens. A tropa faz parte da Força Nacional de Segurança Pública, criada em 2004 pelo então presidente Lula, que já foi testada em cinco Estados durante a Copa das Confederações e deve ser levada a todas as 12 cidades-sede que receberão os jogos.
O reforço não para por aí. No que diz respeito aos investimentos em equipamentos de segurança, os valores estimados giram em torno de R$ 1,9 bilhão. As aquisições incluem robôs anti-bomba, minirrobôs espiões, tanques com jatos d’água, drones, além de bombas de efeito moral, sprays de pimenta e pistolas de choque.
Embora os gastos e aquisições estejam, de certa forma, claros, a atuação das polícias militares e as políticas e ações das Secretarias de Segurança, durante a Copa do Mundo, não estão. Sabe-se somente que a garantia de segurança durante os jogos ficará a cargo dos Estados e das cidades-sede, como previsto no Acordo de Cidade-Sede celebrado entre o Município, COL e FIFA, bem como disposto na Matriz de Responsabilidades celebrada entre União, Governo do Estado de São Paulo e Prefeitura Municipal de São Paulo.
Enquanto isso, cenas de forte repressão se repetem durante manifestações anti-copa, como a do último sábado (22) em que, segundo relatos, ocorreram prisões arbitrárias massivas e uso abusivo de violência por parte de PMs, sem identificação, dirigidos tanto à manifestantes quanto à jornalistas.
“No Brasil há uma histórica forma de conferir tratamento policial às questões sociais, convertendo-as em questões criminais. A novidade, neste caso, é o fato de que tais manifestações têm conseguido adesão de um público não tradicionalmente de excluídos, o que tem complexificado um pouco mais seu tratamento pelas mídias, pelas elites e pelos governos”, diz Alessandra Teixeira, pesquisadora do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e pesquisadora da UNESP Marília.
Na opinião de Silvio Caccia Bava, sociólogo e diretor do Le Monde Diplomatique Brasil, a principal causa da continuidade das manifestações contra a Copa tem origem na falta de ação do Governo Federal durante os protestos do ano passado: “Se nós tivéssemos tido, por parte do Governo Federal, iniciativas políticas, iniciativas de investimento que buscassem atender as demandas das ruas, desde junho do ano passado, a situação da Copa não seria tão crítica. No momento em que isso não acontece, que a situação anterior se repõe, e o pessoal diz que abre mão da Copa, mas não abre mão de “escolas padrão Fifa”, aí existe claramente uma polarização onde a receita do governo é preparar um aparato militar para conter as manifestações. Isso não tem muito a ver com democracia. E me preocupa por causa disso”, diz.
A ONG Conectas Direitos Humanos a fim saber como o Estado de São Paulo pretende lidar com as manifestações de rua nos meses de junho e julho, utilizou-se da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), que permite o acesso da sociedade civil a qualquer atividade de órgãos públicos, e enviou 17 perguntas ao secretário de Estado da Segurança Pública do Estado de São Paulo, Fernando Grella Vieira, e ao comandante geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, coronel Benedito Roberto Meira. Questões como a tipificação de condutas criminosas e o contingente e armamento empregado nos protestos fizeram parte das perguntas. O Conectas diz ter recebido as respostas do secretário, porém de forma vaga e que, portanto, irão recorrer à segunda instância.
Tribunais de exceção
Durante entrevista coletiva, no final do ano passado, André Rodrigues, consultor especial do Ministério da Justiça para grandes eventos, anunciou que o governo pretende criar “tribunais especiais” para julgar e punir, em rito sumário, supostos delitos relacionados ao torneio. A informação ainda foi pouco divulgada na mídia brasileira.
Na Copa da África do Sul, em 2010, esse recurso foi utilizado para assegurar a “segurança do evento” e mobilizou milhares de juízes, promotores e funcionários. Lá, as condenações exageradas tomaram forma durante o torneio.
Os tribunais de exceção são instituídos em caráter temporário ou excepcional. É característica comum aos governos ditatoriais.
“A abordagem dessas intervenções não é civil, não está nos protocolos do Estado Democrático de Direito, mas sim se inscreve nos regimes da urgência e da exceção, alegando um suposto interesse público, mas que se descortina a cada dia como sendo regido por interesses econômicos de grandes grupos privados, com o apoio das grandes mídias e, lamentavelmente, do poder público”, diz Alessandra, do IBCCRIM.
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