Cracolândia: liminar interrompe avanço de ação

O que é Direito à Cidade?, Reforma Urbana
24 de maio de 2017

Além de cumprimento da legalidade, o Instituto Pólis defende o amplo debate para a execução de projetos dessa natureza

No início desta tarde a Defensoria Pública Estadual obteve decisão judicial liminar que proíbe a continuidade das remoções compulsórias e a interdição e a demolição de edificações com habitantes. Trata-se de uma decisão importante, que interrompe o avanço de um projeto de reestruturação das áreas centrais que está sendo executado sem discussão com a sociedade.

O centro é uma área importante para a cidade, é estratégico do ponto de vista urbanístico e econômico. Já foi alvo de outros projetos auto-intitulados “revitalizadores”, como o Nova Luz, que acabou por ser rejeitado pela sociedade, principalmente moradores e comerciantes locais. O Instituto Pólis defende que, qualquer que seja o projeto para a região central, ele deve ser amplamente discutido e aprovado pelo crivo popular.

A ação do último domingo (21/05), que se estendeu e se tornou ainda mais grave nos dias posteriores, é inaceitável por sua truculência e ilegalidade, atestadas pela decisão do dia de hoje. O Pólis alerta que, além do amplo debate público, qualquer ação dessa amplitude, que envolve a remoção de pessoas, deve ser CUMPRIDA A LEI, que prevê:

  • Que as pessoas afetadas sejam informadas com a antecedência necessária para que tomem as atitudes cabíveis;
  • Que as pessoas afetadas tenham o direito de retirar seus bens pessoais e documentos;
  • Que a prefeitura providencie caminhões para levar esses bens a outros locais;
  • Que a ação seja acompanhada por assistentes sociais do início ao fim.

Além disso, os habitantes do local devem ser incluídos em programas habitacionais e, caso não haja solução imediata, deve-se ter uma alternativa temporária enquanto não são alocados para a moradia permanente.

No caso das internações, é fundamental que se respeite o direito à escolha das pessoas em situação de dependência química. O Pólis é terminantemente contrário às internações compulsórias.

Abaixo, a íntegra da decisão judicial:

Processo Digital nº:1022440-18.2017.8.26.0053
Classe – Assunto: Tutela Cautelar Antecedente – Liminar
Requerente:Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Requerido:Prefeitura Municipal de São Paulo
Juiz(a)de Direito:Dr(a).FaustoJoséMartinsSeabra

Defiro os benefícios da gratuidade.

É fato notório a dispensar prova, pois foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação, que houve a demolição de edificações no local conhecido como “Cracolândia”, em razão dos termos de interdição expedidos pela requerida e para dar cumprimento a operação deflagrada pelos poderes públicos desde o último domingo, no escopo de combater o tráfico de drogas ilícitas, entre outros propósitos.

Sucede, todavia, que a demolição de algumas casas foi executada – conforme demonstrado em inúmeras reportagens e nos documentos anexados à petição inicial – apesar da presença de moradores, aos quais não foi conferida a oportunidade, conforme alegado pela autora, de retirar objetos pessoais e documentos, tampouco foram orientados ou encaminhados a programas sociais de habitação e saúde.

Evidente que não cabe ao Poder Judiciário intervir em políticas públicas desejadas pela sociedade; porém, compete-lhe o controle da legalidade dos atos administrativos, bem como o cotejo dos valores jurídicos envolvidos no processo e, ao menos neste exame sumário dos fatos e dos fundamentos dos pedidos formulados, prevalece o direito à dignidade humana, a qual parece não ter sido observada nos episódios narrados pela requerente.

Os requisitos do artigo 305, caput, do Código de Processo Civil estão preenchidos, visto que há risco à integridade física aos habitantes de prédios da citada região e a demora na concessão da tutela poderá resultar em inutilidade desta demanda.

Do exposto, defiro a liminar para impedir que a Municipalidade promova a remoção compulsória de pessoas e a interdição ou demolição de edificações com habitantes, na área descrita na letra “a” da petição inicial, sem que previamente promova o cadastramento de tais indivíduos para atendimento nas áreas de saúde e habitação, disponibilizando-lhes alternativas de moradia e atendimento médico, além de permitir que retirem os seus pertences e animais de estimação dos referidos imóveis, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais).

Observe a requerente o disposto no artigo 309, I, do Código de Processo Civil.Cite-se a requerida com as advertências legais.

Servirá a presente, por cópia digitada, como mandado e ofício às autoridades competentes. Cumpra-se na forma e sob as penas da Lei.

Considerando que este feito tramita digitalmente, a íntegra da inicial e de todos os documentos que instruem o processo podem ser acessados por meio do endereço eletrônico do Tribunal de Justiça (http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/open.do), acessando o link: “este processo é digital. Clique aqui para informar a senha e acessar os autos”. Por esse motivo, o mandado não é instruído com cópias de documentos.

A senha para acesso ao processo digital está anexada a esta decisão.

Este procedimento está expressamente previsto na Lei Federal nº 11.419, de 19/12/2006, art. 9º: “No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta Lei. §1º. As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais”.

Intime-se.

São Paulo, 24 de maio de 2017.

Entenda a ação:

Brasil de Fato: “Achei que só veria isso na ditadura”, diz psicóloga sobre ação na Cracolândia

Folha: Operação na cracolândia foi selvageria sem paralelo, diz promotor da saúde

El país: Gestão Doria inicia demolição de prédio na cracolândia com moradores dentro

G1: Alckmin e Doria deixam entrevista coletiva após protesto na região da Cracolândia

Justificando: Defensoria obtém liminar que proíbe remoções e demolições na Cracolândia por gestão Doria

Crédito foto: Daniel Arroyo / Brasil de Fato

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