MANIFESTAÇÕES 2013 – Manifestações levam às ruas Brasil real
Do PAD – Processo de Articulação e Diálogo
Protestos por todo país apontam insatisfação da população com o sistema de garantia dos direitos fundamentais e com a democracia representativa. Apesar de momento ainda ser de incerteza, lideranças, organizações e movimentos lançam olhares analíticos sobre as mobilizações.
Às vésperas da Copa das Confederações, o evento que era para ser um “ensaio geral” para a Copa do Mundo no Brasil, o mundo debruçou seu olhar sobre o país. Mas não foi um olhar para o país do samba ou do futebol. O mundo olhava para ruas ocupadas por uma população que denunciava o “Brasil Real” e sua insatisfação com o sistema de garantia de direitos fundamentais (como a saúde e a educação), a democracia representativa e com os gastos públicos com os megaeventos.
As manifestações, que tiveram seu epicentro em São Paulo, com uma pauta concreta, que era a redução das tarifas de transporte coletivo, ganharam proporção nacional depois de um episódio de repressão e violência policial que chocou o país e o mundo.
Depois de uma semana de intensas mobilizações, protestos seguem acontecendo por todo país.
Depois de um período de perplexidade, buscando compreender a eclosão de protestos que mobilizaram milhões de pessoas, lideranças sociais, organizações e movimentos lançaram notas públicas, manifestos e análises que o PAD compilou e compartilha nesta nota. É preciso ressaltar que estas análises, no entanto, foram construídas em um momento ainda de incerteza sobre as manifestações e seus possíveis efeitos políticos e sociais. Ou seja, são as primeiras ideias, ainda em aberto, sobre a complexidade do processo social que os protestos refletem.
Alguns deles são análises de quem esteve nos protestos, como o artigo de Ana Rocha, da Christian Aid em São Paulo, publicado (em inglês) no blog do jornal inglês The Independent (http://blogs.independent.co.uk/2013/06/21/a-view-from-the-ground-in-sao-…). No artigo, ela lembra que “Embora o PIB do Brasil nos dias de hoje seja semelhantes ao do Reino Unido, uma pesquisa recente feita pelo CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), encomendada pela Christian Aid revelou que ele permanece entre os 10 maiores países do mundo para a desigualdade de renda. Cerca de 40% da população não têm acesso a direitos, as políticas sociais de qualidade ou níveis decentes de emprego, com 21,4% vivendo abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial”.
Ana também lembra da violência policial que marcou diversos dos protestos: “Durante a maior parte dos protestos, a polícia reagiu violentamente. Nos mais recentes protestos, houve inúmeros relatos de policiais à paisana, na verdade, incentivando o vandalismo e a violência”.
O diretor executivo de Koinonia, Rafael Soares de Oliveira (http://www.koinonia.org.br/comunicacao-noticias-detalhes.asp?cod=1957), avalia que “a ocultação do Brasil Real em diversos embates pela afirmação de direitos, tem sido uma equação de equilíbrio desigual, onde os interesses do lucro têm colonizado as vontades de bem estar social e bem viver. Mas veio à tona a insatisfação com tantos recursos disponíveis no País, cuja aplicação não considera as necessidades das maiorias – onde isenções fiscais garantem estádios de 700 a 900 milhões, para serem entregues para a privatização, e não há oferta de transporte público a preços acessíveis. No entanto se mantém as garantias de lucro para os empreendimentos das infraestruturas privatizadas”.
Resumidamente, para Rafael, o motor das manifestações foi uma percepção geraçl de insatisfação: “há insatisfação com as desigualdades de bem estar; há insatisfação com os sistemas de controle dos negócios de Estado; e há correlatamente insatisfação com os regimes de representação pactuados entre poucos – regimes de aplicação orçamentária, sistema político e desigualdades no âmbito dos julgamentos no judiciário (nem políticos e nem colarinhos brancos são punidos)”.
Encruzilhada e reforma política como alternativa
Em nota pública, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (http://www.mndh.org.br/) “saúda as vitórias conquistadas em todo o Brasil pela redução das tarifas de transporte, conduzidas pelo Movimento Passe Livre ou por ele inspiradas”. A rede ressalta a importância e a força das manifestações e da pressão popular, afirmando que “as massivas mobilizações populares em todo o Brasil demonstram, na prática, que as lutas por direitos dos cidadãos ganham uma força irresistível quando emergem das bases e exprimem as aspirações e necessidades mais sentidas da população, principalmente de seus segmentos mais excluídos da participação política e do usufruto da riqueza produzida socialmente”.
O MNDH ressalta a “encruzilhada” que vive o Brasil. Para o movimento, “as formas representativas de democracia, as disputas eleitorais, o foco num modelo de desenvolvimento econômico concentrador e sem participação popular mostram seus limites”.
Como alternativa, o movimento afirma que se impõe “a retomada da agenda para consolidar os direitos e para enfrentar a desigualdade, a fim de materializar e tornar efetivos os direitos dos cidadãos em grande medida inscritos na Constituição de 1988, para o que os movimentos sociais precisam ser fortalecidos, ganhar as ruas, solidarizar-se entre si e gerar novas dinâmicas políticas e, serem levados a sério pelos governos. É necessário barrar a crescente criminalização e desmoralização das lideranças populares e das causas populares”.
Nesta mesma linha, a Plataforma dos Movimentos Sociais para a Reforma Política se posiciona. Como resultado das manifestações, o Governo federal Brasileiro sinalizou para a possibilidade de realizar um plebiscito sobre a reforma política, por conta da insatisfação demonstrada pela população com a democracia representativa. Em nota pública (http://www.reformapolitica.org.br/component/content/article/26-em-destaq…) a Plataforma reafirma a convicção da necessidade de uma “profunda reforma do sistema político, que começa com o fortalecimento da democracia direta e a reforma do sistema eleitoral”. Para o grupo de entidades que integram a plataforma, “só faz sentido uma reforma política que resgate a soberania popular através do fortalecimento dos instrumentos da democracia direta”. O grupo propõe que o Congresso Nacional convoque a Conferência Nacional da Reforma Política com o objetivo de definir os temas e as perguntas para o plebiscito.
Movimentos lembram: luta por direitos é histórica
Ainda que algumas expressões como “o Brasil acordou” e “o gigante despertou” tenham sido usadas pela mídia comercial tradicional para definir as manifestações, os movimentos e organizações de ação social foram a público para saudar o envolvimento da juventude na luta, mas também para reafirmar que a luta por direitos é histórica. O Movimento de Atingidos por Barragens e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra se integraram às manifestações, sinalizando seu apoio ás lutas populares e resgatando suas histórias e bandeiras.
O MAB o fez se colocando ao lado dos protestos, e realizando novas mobilizações. O movimento “reivindica principalmente, a criação de uma política camponesa de produção de comida para o povo brasileiro e a realização de um amplo processo de plebiscito para ouvir a população brasileira em temas como reforma política e outros” (http://www.mabnacional.org.br/noticia/mab-apoia-lutas-populares-e-realiz…).
Já o MST divulgou avaliação de João Pedro Stedile, que integra a coordenação nacional. Segundo ele, há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo financeiro (http://www.mst.org.br/Precisamos-disputar-cora%C3%A7%C3%B5es-e-mentes-Qu…). “As pessoas estão vivendo um inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais”, afirma. Para o dirigente do MST, a redução da tarifa interessava muito a todo o povo e esse foi o acerto do Movimento Passe livre, que soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo.
Outras organizações e movimentos, reunidos, lançaram manifestos. Um deles é a “Carta dos movimentos sociais à presidente” (http://pad.org.br/content/carta-aberta-presidenta-dilma-roussef”. Assinada por dezenas de redes, organizações e movimentos, a carta afirma que “mais que um fenômeno conjuntural as recentes mobilizações demonstram a gradativa retomada da capacidade de luta popular” e retoma a questão das insatisfações: “Nosso povo insatisfeito com as medidas neoliberais votou a favor de um outro projeto. Para sua implementação esse outro projeto enfrentou grande resistência principalmente do capital rentista e setores neoliberais que seguem com muita força na sociedade”.
As entidades afirmam que “o momento é propício para que o governo faça avançar as pautas democráticas e populares, e estimule a participação e a politização da sociedade”.
Ameaça de forças conservadoras
Na nota “Nas ruas por igualdade, justiça social e democracia!” (http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2013/junho/nas-ruas-p…), organizações e movimentos lembram que a luta pelos direitos é histórica e alertam “para o interesse crescente das forças conservadores de direita, através dos seus meios de comunicação, em roubar a cena e direcionar a agenda dos protestos, para reduzir a pauta de reivindicações e desmoralizar os partidos políticos”.
O alerta feito por este grupo é partilhado por outros, como o que assina a Carta dos movimentos sociais à presidente” (http://pad.org.br/content/carta-aberta-presidenta-dilma-roussef). No documento, afirma-se que “setores conservadores da sociedade buscam disputar o sentido dessas manifestações. Os meios de comunicação buscam caracterizar o movimento como anti Dilma, contra a corrupção dos políticos, contra a gastança pública e outras pautas que imponham o retorno do neoliberalismo. Acreditamos que as pautas são muitas, como também são as opiniões e visões de mundo presentes na sociedade. Trata-se de um grito de indignação de um povo historicamente excluído da vida política nacional e acostumado a enxergar a política como algo danoso à sociedade”.
A cobertura dos meios de comunicação foi amplamente criticada, e movimentos e organizações ligados à luta pelo direito à comunicação agregaram à análise das manifestações e às pautas urgentes a necessidade de uma mídia democrática e plural para que se construa uma real democracia (http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&tas… ). Movimentos aproveitaram para divulgar a construção de um projeto de Lei de Iniciativa Popular para uma Mídia Democrática (http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&tas…).
* O PAD considera as manifestações como uma rica oportunidade de tecermos uma reflexão sobre a nossa máxima prioridade, que é desvelar a complexidade do Brasil Real. É nesse sentido que esta rede tem trabalhado. Buscando promover diálogos e discussões que articulam nossos temas essenciais: as desigualdades, os direitos humanos, o modelo de desenvolvimento e a sustentabilidade e legitimidade da ação das organizações de ação social nestes contextos. Este esforço se dá com o objetivo de trazer à tona o Brasil Real “submerso” nas propagandas exitosas do país em âmbito internacional.
Anterior / Próximo