Juventude ocupa ruas do Morro do Querosene com cultura e brincadeiras populares

Cidadania Cultural, Juventudes, Formação, Democracia e Participação, Convivência e Paz
23 de julho de 2015

O Morro do Querosene, localizado na região do Butantã, zona oeste de São Paulo, possui ares de cidade interiorana. Em 18 de maio de 2015, suas ruas tranquilas foram ocupadas por dezenas de jovens que participam do Programa Jovem Monitor/a Cultural (PJMC). Além da caminhada pelo bairro, conhecendo suas histórias e encantos, os/as monitores/as vivenciaram diversas brincadeiras da cultura popular.

A formação teve início na Associação Cultural do Morro do Querosene, entidade que existe desde 1998 a fim de propiciar condições para o desenvolvimento das atividades artísticas e culturais da região. Atualmente, também desenvolve seu projeto de Ponto de Cultura “Arte & Cultura do Morro do Querosene” com apoio da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Entre as várias atividades deste projeto, estão aquelas relacionadas à Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene, idealizada e dirigida por Dinho Nascimento.

“Estamos a trinta minutos da [avenida] Paulista e, no entanto, parece que estamos em outro mundo, que não essa cidade cheia de prédios e carros. O Morro do Querosene tem uma característica meio mágica”, comenta Cecília Pellegrini, diretora da Associação. “Aqui é muito presente essa coisa de ocupar a rua, das pessoas se cumprimentarem e sentarem na calçada”.

Além de capoeirista, dançarino e músico popular, o maranhense Tião Carvalho é o idealizador e responsável pela tradicional festa do bumba-meu-boi realizada há anos na praça do bairro. Ele esteve presente no dia compartilhando sua trajetória e experiências de vida. Para Tião, a realização da festa possibilita uma dinâmica e valorização dos encontros. “A cultura popular é orgânica. A cultura oral vem dos antepassados e é muito importante, pois abre espaço para vários diálogos e trocas”.

Nascido em Salvador, Dinho Nascimento também contou sobre suas vivências, sua história e da importância das relações interpessoais, cada vez mais distantes com o avanço das novas tecnologias. “Hoje temos o celular e o computador. Devemos ter muito cuidado, pois precisamos nos olhar no olho, precisamos nos ver e nos encontrar”.

Dinho destacou os trabalhos realizados no bairro antes mesmo da existência de políticas públicas culturais, como os editais dos “Pontos de Cultura”. Para ele, apesar da formalidade, o edital solidificou tais práticas na região. “Fazíamos cultura porque tínhamos que fazê-la. Já éramos, há anos atrás, Ponto de Cultura, mesmo sem ter o recurso que hoje temos”.

A luta pelo Parque da Fonte

Segundo Dinho, a especulação imobiliária está transformando São Paulo, acarretando que importantes locais para o meio ambiente e a cultura sejam engolidos por prédios e o comércio. “Antes [a cidade] era a terra da garoa e do trabalho, hoje é a terra do trabalho e da especulação. A cidade está sendo invadida por várias torres habitacionais, está ficando muito sufocada, precisa respirar”, comenta.

E lugar para respirar é o que não falta no Parque da Fonte, situado entre a avenida Corifeu de Azevedo Marques e as ruas Santanésia e da Fonte. Com uma área de 35.400,00 m², o espaço guarda um pedaço de Mata Atlântica com nascentes d’água e diversas árvores frutíferas como jaqueiras, pitangueiras e bananeiras. Após o bate papo, foi realizada uma caminhada pelo Morro e os/as jovens monitores/as conheceram a área.

“Ainda não temos um espaço fechado, uma sede. Isso é uma luta antiga. Por um lado ficamos felizes, pois ocupamos as ruas, mas por outro às vezes faz falta ter uma sede. Temos um sonho de conseguir o Parque da Fonte e dentro desse parque ter nosso centro cultural”, afirma Cecília.

Com o decreto nº 52.575, de agosto de 2011, o espaço foi declarado de utilidade pública. Em 2012 foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP). O processo administrativo nº 2011-0.192.741-7 de desapropriação está em andamento na Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente.

Para dar visibilidade à luta, será realizado nos dias 28,29 e 30 de agosto o Festival de Artes do Morro do Querosene (FAMQ). O evento contará com um cortejo, uma roda de conversa, oficinas e diversas apresentações culturais e artísticas. “Vamos tentar colocar todas as vertentes da nossa cultura nesse festival, que é pra chamar a atenção [para a luta pelo Parque]. Até agosto, quem sabe, tenhamos novidades sobre o andamento do processo”, espera Dinho.

Ocupando as ruas

No período da tarde os/as jovens monitores/as experimentaram algumas brincadeiras populares. Foi formado um círculo ao redor da árvore da praça do Morro, animado por cirandas tradicionais do cancioneiro popular brasileiro. Movimentos e passos foram conduzidos por Tião Carvalho, acompanhado pela percussão do grupo Cupuaçu.

Cecília Pellegrini diz que a ação da comunidade de ocupar as ruas do bairro não surgiu de uma ideia pontual, mas pelo gosto pela brincadeira. “Fomos para a rua para brincar, não para trabalhar”.

Dinho lembrou um discurso muito utilizado por aí: “tirar as crianças da rua”. Para ele, é preciso fazer o contrário, ou seja, que as crianças ocupem as ruas. “Cadê as brincadeiras de roda, as bolinhas de gude? Acabaram? Estão todos no controle remoto da vida”, lamenta. “Temos que usar as ruas no bom sentido. E, enquanto estivermos no Morro, propagaremos, naturalmente, o sentido da cultura”.

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