Duas Opiniões sobre o 15.O São Paulo
15 de outubro. Neste dia, a complacência da população mundial com o status quo foi abalada: em 71 países, mais de 869 cidades decidiram se manifestar contra o sistema político desigual e opressor. No Brasil, 39 cidades aderiram aos protestos globais, com ocupações em locais públicos, atos, assembleias e eventos culturais. Em São Paulo, os manifestantes montaram um acampamento no Viaduto do Chá.
A pergunta principal que o Movimento 15 de Outubro levanta é: “por que a voz dos ricos e de corporações multinacionais tem mais peso na construção do futuro do Brasil do que a do povo”?
Para Leandro Cruz, historiador e integrante do movimento, “nós vivemos sob a ditadura do poder econômico, em que as elites e corporações do Brasil tomam conta do processo político, movidas pela ganância, sem levar em conta fatores humanos, a qualidade de vida das pessoas e do meio ambiente. Há quem diga que os levantes estão acontecendo porque a Europa está em crise, e que aqui não ia acontecer nada, porque nós não estamos em crise e vivemos um bom momento, o que não é verdade”.
Silvio Caccia Bava, editor chefe do Le Monde Diplomatique Brasil identifica os dois principais pontos que sustentam os levantes mundiais: um sistema político opressor, que não ouve as demandas expressas nas manifestações, e a crise financeira que limita as possibilidades da juventude conseguir espaço para o exercício da plena cidadania.
A repressão policial ao acampamento do Movimento 15 de Outubro intensifica-se. As redes sociais e blogues do movimento registram na internet ações da Guarda Civil Metropolitana arrancando cartazes e faixas colocadas pelos manifestantes; no dia 19, a Polícia Militar impediu os manifestantes de realizarem um protesto na Avenida 23 de maio, retiveram RGs e investigaram manifestantes.
O acampamento está organizado em diversas frentes, como a equipe de comunicação, que atualiza redes sociais e escreve notícias, e a de cozinha, que cuida das doações de alimentos recebidos. A organização do acampamento espelha a proposta do movimento: todos podem manifestar suas ideias e participar, sem qualquer tipo de hierarquia.
Diversas assembleias e grupos de trabalho estão sendo realizados diariamente para debater temas nos quais o movimento reivindica participação social, como o Código Florestal, a precarização da saúde, a violência policial e a remoção de famílias para a construção dos megaeventos. Além disso ocorrem atos, aulas públicas e apresentações culturais.
Para Silvio, a proposta do movimento é interessante, mas que o contexto brasileiro não favorece o crescimento de uma mobilização como essa. “Para mim seria uma surpresa se esse movimento ganhasse uma grande dimensão no Brasil. Estamos vivendo um momento em que o desemprego está muito baixo, e oportunidades estão sendo oferecidas aos jovens. Eu acho que o sistema político da nossa democracia criou espaços de participação nos últimos anos: temos conselhos e conferências, inclusive a Conferência Nacional de Juventude, que de alguma maneira canalizam as demandas dessa população jovem para negociação com o poder público. Eu também não vejo claramente quais são as bandeiras. Se você olhar na Grécia, há claramente uma situação polarizada. A economia está num estado crítico, e os jovens propõem o fim das heranças, que é uma proposta radical, e o salário base para empregados e desempregados de 30 mil euros por ano. Em Madri, eles reivindicam a estatização do sistema financeiro privado. No Chile os estudantes fizeram um referendo onde a ampla maioria referendou a proposta de que a educação não pode ser mercadoria; ela deve ser pública, universal, gratuita e de qualidade. Eu não vejo no Brasil demandas desta ordem. O aperto fiscal na Europa, que desmonta o Estado de Bem-Estar Social mobiliza as pessoas que estão indignadas com a perda de direitos, como por exemplo na Grécia, onde a saúde, que era gratuita, começou a ser paga. Qual a perda de direitos que esses jovens questionam no Brasil?”
Segundo Leandro Cruz, “temos várias bandeiras porque há muito que se reclamar, e a principal pauta é que em todos esses assuntos nós queremos ser ouvidos e respeitados. O difícil é você começar a rolar a bola de neve. Outras ocupações como nos Estados Unidos e Espanha começaram como grupos pequenos, mas guerreiros, e depois cresceram. A gente não está propondo uma reforma política, e sim uma transformação profunda de todo o sistema político e decisório do Brasil. Nós queremos participar de todas as etapas do processo, a população tem que ser ouvida durante estudos, debates, e tem que tomar parte nas decisões de maneira direta, seja através de plebiscito, e nós temos que construir juntos essa nova maneira de decidir as coisas”.
Caccia Bava compara a mobilização em São Paulo à dos estudantes chilenos. “No caso do Chile, o movimento adotou uma bandeira muito concreta, que foi se ampliando, se radicalizando: queremos educação de qualidade para todos. A mercantilização do serviço público na área de educação ou excluía o jovem de entrar na universidade ou dava a este uma dívida enorme quando saía. Isso era uma situação concreta a enfrentar. Se nós não temos esses objetivos concretos no Brasil, esses movimentos não vão prosperar. Se o cenário fosse de desemprego, crise financeira, quebradeira de empresas, inflação alta, aí sim poderia haver um crescimento desses movimentos nas ruas reclamando seus direitos, porque para sanar esses problemas todos, na ótica neoliberal, iriam se cortar várias coisas que hoje são oferecidas como políticas públicas. Isso não está acontecendo e não vai acontecer. Esse movimento só ganhará força se a crise financeira europeia for tão forte a ponto de se transformar numa crise global e tiver um impacto forte no Brasil. Até agora isso não está desenhado”.
O Movimento 15 de Outubro chama a todos: “Venha participar! É hora de mostrar sua indignação com o sistema capitalista. A união de tod@s @s indgnad@s mostrará que o povo quer transformações profundas na sociedade. Queremos construir uma democracia direta e participativa. Traga sua bandeira, sua vontade e sua voz!”
Confira o blogue e o manifesto do Movimento 15 de Outubro.
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