5a Conferência Nacional das Cidades debate a Reforma Urbana e estabelece metas para o próximo ano
O tema da 5a Conferência Nacional das Cidades desse ano, realizada de 20 a 24 de novembro em Brasília, foi “Quem muda a cidade somos nós: Reforma Urbana já!”. Trata-se de um momento em que se corroboram as políticas públicas urbanas que vão ser exercidas em âmbito nacional, municipal e estadual.
A Conferência marca 10 anos de existência do Ministério das Cidades, “uma conquista da luta pela Reforma Urbana que é reunir em um mesmo órgão as diversas políticas públicas urbanas [de saneamento, habitação, mobilidade e planejamento urbano]”, diz Danielle Klintowitz, da área de Urbanismo do Instituto Pólis.
Durante a Conferência, os 2.682 delegados e delegadas votaram em plenário sobre as mais de 300 emendas para o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, e elegeram os 181 novos Conselheiros e Conselheiras das Cidades. Como aconteceu nas edições anteriores, um grande bloco dos novos eleitos é representado pelas entidades vinculadas ao Fórum Nacional de Reforma Urbana; com 60 conselheiros e conselheiras incluindo todos os 46 conselheiros do segmento dos movimentos populares e todos os oito do segmento das ONGs. Além de três conselheiros do segmento acadêmico e três do segmento dos trabalhadores.
Participaram delegados dos 26 Estados e do Distrito Federal, entre eles organizações não governamentais, movimentos sociais e gestores públicos.
Para Klintowitz, há pelo menos dois grandes avanços acordados na conferência: a aprovação da criação de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, à exemplo dos sistemas já existentes para as áreas de habitação, saneamento e mobilidade, com um fundo específico, e o anúncio da presidenta Dilma Roussef de criação de um grupo interministerial que irá formular a proposta do Sistema até junho do ano que vem, quando termina o mandato dos atuais conselheiros.
“O grande desafio é integrar as políticas urbanas num mesmo sistema, pois elas ainda são muito setoriais. Nós temos hoje mais de 3,5 milhões de moradias de interesse social que não são inclusivas. Não adianta fazer uma política de habitação que não dialogue com as políticas de mobilidade e saneamento, por exemplo”, diz Klintowitz .
Outro fator fundamental para a viabilização do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano é que haja um fundo específico, diz a urbanista. “Hoje, o governo federal investe de forma variada, não existe previsão orçamentária, o que dificulta o planejamento. Os conselhos é que têm de determinar onde será investida a verba do fundo. Atualmente, 3% do PIB vai para o orçamento de habitação, mas a verba ainda não é gerida de forma participativa”.
Participação
A respeito das dinâmicas de participação apresentadas na conferência, ainda há muito o que melhorar, segundo Stacy Torres, da área de Reforma Urbana do Instituto Pólis. “A realização da 5ª Conferência, bem como a consolidação do Conselho das Cidades com mais uma eleição, é sem dúvida uma grande conquista, mas para o cenário ficar completo é preciso avançar mais ainda na gestão democrática e melhorar a condução do processo participativo. Na metodologia da Conferência prevaleceu um encaminhamento pragmático das votações em detrimento de uma discussão politizada das propostas, não havia agentes de facilitação profissionais e contou-se com uma estrutura de apoio muito deficiente, o que subaproveitou o potencial do evento. Também vale mencionar a falta de clareza em torno do pacto político entre sociedade civil e governo no que se refere às propostas aprovadas, fator que deixa grandes dúvidas sobre o compromisso do Ministério das Cidades com a sua implementação”, diz a advogada.
Foram formados oito grupos de votação divididos conforme os temas: 1. Saneamento Ambiental, 2. Mobilidade Urbana e Trânsito, 3. Capacitação e Assistência Técnica, 4. Financiamento da Política Urbana, 5. Participação, Controle Social e Conselhos, 6. Política Territorial e Regularização Fundiária, 7. Habitação I e 8. Habitação II.
Propostas votadas
Nelson Saule Junior e Danielle Klintowitz, do Instituto Pólis, participaram do grupo de Política Territorial e Regularização Fundiária, e Stacy Torres, também do Pólis, esteve no grupo de Participação, Controle social e Conselhos.
Entre as propostas votadas no grupo de Regularização Fundiária estão:
– A suspensão imediata pelo Ministério das Cidades de repasses de recursos para projetos e empreendimentos que ensejem remoções sem prévio plano democrático de assentamento;
– A proposição de Projeto de Lei segundo o qual, em situações de conflitos fundiários, não seja concedida reintegração de posse sem garantia de audiência de mediação e comprovação de cumprimento da função social da propriedade;
– A proposição de Projeto de Lei estabelecendo o regime jurídico da posse social, de maneira a concretizar plenamente o direito à moradia digna.
“A votação das propostas e sinalização de datas de cumprimento são formas do conselho monitorar se o Ministério das Cidades e o governo estão cumprindo com as deliberações da conferência”, diz Nelson Saule, delegado da conferência e coordenador da área de Direito à Cidade do Instituto Pólis.
Todas as organizações não governamentais eleitas na ocasião para o novo mandato do Conselho das Cidades são ligadas ao Fórum Nacional da Reforma Urbana. São elas: Instituto Pólis, Fase, Fundação DH Bento Rubião, Habitat para Humanidade, Terra de Direitos, Caritas , CEARAH Periferia e CENDHEC.
Reforma Urbana
Em resumo, a Reforma Urbana é uma ética e uma plataforma política que busca cidades mais justas e inclusivas, que almeja garantir acesso aos bens concretos da vida: habitação, saúde, educação, transportes.
Foto: Vista da favela de Paraisópolis, em SP, na divisa com prédios de luxo do Morumbi
É um tema debatido desde o início dos anos 1960, durante o governo Jango (João Goulart), que defendia a importância de se fazer uma reforma de base, para que a população de baixa renda tivesse acesso garantido aos serviços públicos.
“À época, as políticas habitacionais e de saneamento ainda não existiam”, explica Klintowitz.
Com a ditadura militar, a discussão estagnou, mas a carência habitacional em áreas urbanas só aumentou. “O próprio governo militar criou o Banco Nacional de Habitação (BNH), um investimento brutal, mas que continuava sendo excludente. Havia muito dinheiro e muita produção, mas que não chegavam onde mais se precisava”, diz a urbanista.
O crescimento urbano não parou nas próximas décadas, foram surgindo cada vez mais assentamentos precários e distantes do centro e a mobilidade se tornou um problema sério. Nos anos 1980, 70% da população brasileira já residia em área urbana e, no período de 1980 a 1987, o número de “favelados” cresceu 1.039%.
Com isso, cresceu também a luta por cidades mais justas. E, em 1980, surgiu o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que reunia movimentos sociais, intelectuais e organizações em prol da moradia digna. O MNRU pedia a gestão democrática das cidades e cidades mais justas e includentes, o que incluía a regularização fundiária e a garantia da posse de terra.
Nos anos 1980, aparece o grande conceito do Direito à Cidade, que “é o direito que todos e todas têm aos serviços e vivências adequados nas cidades”. A partir de então, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana se fortalece e, com a Constituinte de 1988, consegue, pela primeira vez, pautar a política urbana. Na Constituição foram inseridos dois artigos (182 e 183), que determinam a descentralização e a municipalização da política – para que seja mais participativa e mais voltada para a peculiaridade de cada município e região.
Desde então, o objetivo é regulamentar esses dois artigos, esforço que resultou no Estatuto da Cidade, que foi sendo debatido de 1988 até 2001, quando finalmente foi aprovado. O Estatuto reúne um conjunto de instrumentos urbanos (ações legais que permitem ao poder público intervir nos processos e espaços urbanos) para auxiliar o município a garantir as funções sociais da propriedade e da cidade, considerando que os interesses públicos e coletivos devem prevalecer sobre o interesse privado.
O Estatuto da Cidade, por sua vez, resultou no Plano Diretor, uma ferramenta que dá diretrizes para o desenvolvimento dos municípios e orienta as demais legislações e planos, nas áreas de mobilidade, habitação, saneamento, etc. O Plano Diretor é obrigatório para todas as cidades acima de 20 mil habitantes e deve ser elaborado pelo poder público em conjunto com a população, de forma participativa.
Foto: Prédio ocupado por sem-tetos no Rio, em agosto de 2013
As entidades de luta pela moradia se reúnem hoje no Fórum Nacional de Reforma Urbana, um lugar de articulação de ideias e diálogo nacional. A pauta principal da Reforma Urbana, hoje, concentra-se na questão da propriedade privada e de sua função social. “Isso significa que as propriedades devem cumprir uma função socialmente adequada para aquela sociedade como um todo e não só para seu proprietário. Então, se você possui uma propriedade que está numa área de proteção ambiental, a função daquela propriedade é proteger aquela área e não construir um loteamento. Assim como, se você possui uma área vazia e existe uma demanda habitacional muito grande, a função social daquela área é fazer habitação de interesse social e não um shopping, por exemplo”, explica Klintowitz.
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