Conviver em Paz nas Cidades – um encontro sobre Cultura de Paz, Políticas Públicas e o Direito à Cidade
O Pontão de Convivência e Cultura de Paz do Instituto Pólis promove no mês de setembro o “Conviver em Paz nas Cidades – Encontro Nacional Cultura de Paz, Políticas Públicas e Direito à Cidade”, organizado em parceria com representantes do Ministério da Cultura, da Funarte, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), da Associação Palas Athena, das Secretarias de Cultura de São Paulo, da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura e da sociedade civil.
De 19 a 21 de setembro, o Pontão irá coordenar os encontros do Conviver em Paz nas Cidades, cujo principal objetivo é trazer à agenda pública a compreensão da cultura de paz no âmbito da convivência e das ações culturais.
Norteados pela questão “Como construir a cultura de paz nas cidades?”, ao longo dos três dias, os círculos vão dialogar sobre os temas Políticas Públicas para a Diversidade e Cultura de Convivência; Mobilidade Urbana, Cultural e Convivência; A Apropriação da Cidade e os Espaços Públicos de Convivência e Educação para a Paz, Tecnologias Socioculturais e Comunicação.
Em meio à organização do Encontro, Hamilton Faria, poeta e diretor do Instituto Pólis, fala sobre a importância da Cultura de Paz em ambientes urbanos. “São Paulo desenvolveu a cabeça, pois há ainda certas pessoas com um corpo deformado por plásticas predatórias, por interesses privados, sem qualquer noção do bem público, mas, ainda não desenvolveu a sua alma, formada por diversas histórias, cores, sabores, imaginários, que podem contribuir para a construção de um novo projeto civilizatório. A sociedade civil e a população precisam transformar a diversidade em cidade”, diz Faria.
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Participam do encontro gestores públicos, ONGs e agentes culturais de vários Estados como Amazonas, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Norte, Pará, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Como surgiu o Pontão de Convivência e Cultura de Paz?
Hamilton Faria – O Pontão de Convivência e Cultura de Paz é uma parceria do Instituto Pólis com o Ministério da Cultura no Programa Cultura Viva. Estamos já há cinco anos difundindo a cultura de paz nas redes culturais do país e debatendo a importância da Cultura de Paz nos Pontos de Cultura; desenvolvendo cursos em escolas e instituições, realizando encontros, publicações, debates públicos, caminhadas, propondo metodologias e vivências. O Encontro é o resultado de todo esse processo.
A Cultura de Paz é um novo tema?
– Não, a cultura de paz não é apenas um tema, é um conjunto de conhecimentos e ações que sempre estiveram postos na história da humanidade, mas que estão presentes na história contemporânea, principalmente, desde o final da Segunda Grande Guerra e após a Declaração dos Direitos Humanos, da ONU. Mais recentemente, vieram documentos da Unesco, como o Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não Violência, que foi um ponto de inflexão. No Brasil, a referência maior é a Associação Palas Athena, que tem se dedicado inteiramente à mudanças nesta perspectiva. Hoje, a Cultura de Paz é compreendida de forma ampla –como atitudes e comportamentos, métodos de resolução de conflitos, modos de vida, filosofia, paradigmas para uma mudança civilizatória. Portanto, considerar a Cultura de Paz como um tema é empobrecer os processos de mudança. As cidades estão doentes, a democracia clama pela inclusão da diversidade, o desenvolvimento urbano tem sido realizado em meio à convivências tensas e com violência.
É este o mote do Encontro de setembro?
– Acho que vai por aí: o tema é Cultura de Paz, Políticas Públicas e Direito à Cidade. Não estamos na cidade dos incluídos. O mercado imobiliário, o crescimento desordenado, a mobilidade restrita, o ambiente degradado das metrópoles, o desrespeito aos patrimônios históricos e imateriais presentes no desenvolvimento urbano, a naturalização da violência contra jovens, principalmente negros das periferias, a falência da segurança pública, a discriminação da diferença, como é o caso das variadas opções sexuais, nos levam a concluir que é urgente transformar a cultura de paz em um mantra para o nosso modo de vida.
A população que vive nas cidades não acredita na paz?
– A cultura de paz ganha força e novos significados no dia a dia, por que ela se constrói na ação. Hoje há várias ações no país inteiro, de reflexões nos debates públicos a atos simbólicos. Da atuação dos jovens em conselhos, como o CONJUVE, ao Programa Juventude Viva e às ações públicas, como as mobilizações de junho. Há ainda os Pontos de Cultura que incluem a cultura de paz em sua agenda. No primeiro semestre, fizemos três caminhadas tematizando poéticas, símbolos e gestos da paz e vários diálogos nas ruas e em escolas. É importante que se diga que a paz não é submissão ao poder do mais forte, extinção dos conflitos, imaginários sem divisões. A paz reconhece o conflito, é resistência ativa, mas com métodos de diálogo, conversação, justiça, reconhecimento de direitos humanos e o próprio direito à vida, em todas as suas manifestações.
E qual o significado para uma cidade como São Paulo de um encontro desta natureza?
– São Paulo é das cidades com maior incidência de perturbações mentais no mundo. Atualmente, 29% dos paulistanos e moradores da região metropolitana sofrem de algum tipo de perturbação mental: por mudanças comportamentais, abuso de substâncias químicas e, principalmente, ansiedade. E isto não é afirmação minha; é originária de estudo recente da Organização Mundial da Saúde (OMS). O mesmo estudo diz que a alta incidência destes males é causada pela elevada urbanização associada com privações sociais, principalmente dos grupos mais vulneráveis, com destaque para migrantes e mulheres. Todos sabem que temos uma população indígena, em sua maioria guarani na cidade de São Paulo; uma comunidade boliviana que cresce dia a dia. São Paulo é também a maior cidade nordestina do país. O direito à cidade é seletivo e a grande diversidade cultural urbana ainda não usufrui plenamente do espaço público, por exemplo, tomado pela mobilidade de carros e caminhões, e pelo ir e vir sem qualquer sentido cultural. Hoje os negócios avançam para as calçadas, prejudicando inclusive o ir e vir com liberdade. São Paulo desenvolveu a cabeça, pois há ainda certas pessoas com um corpo deformado por plásticas predatórias, por interesses privados, sem qualquer noção do bem público, mas, ainda não desenvolveu a sua alma, formada por diversas histórias, cores, sabores, imaginários, que podem contribuir para a construção de um novo projeto civilizatório. A sociedade civil e a população precisam transformar a diversidade em cidade.
Como as questões urbanas emergem no Encontro Nacional?
– Vamos debater o papel da diversidade; a mobilidade urbana e a mobilidade cultural; o papel das tecnologias socioculturais de convivência; a contribuição dos meios de comunicação e das novas mídias para a convivência; a relação com o meio ambiente urbano; a apropriação da cidade e as poéticas de rua; a educação para a paz e o reencantamento da cidade. Estão aí os temas para fazermos bom uso e gerarmos propostas e agendas para a cidade.
É possível reencantar São Paulo?
– A produção cultural de São Paulo é incrível, não apenas a dos artistas consagrados. A periferia transborda de poesia e criação cultural. Participo dia a dia do debate e da formulação cultural da cidade há muitos anos. São Paulo precisa reconhecer a sua beleza, salvar-se pela sua beleza, para lembrar Dostoiévski, transformá-la em propostas de ação pública. É inacreditável que a cidade dos “Mil Povos” -com seus 11 milhões de habitantes, o maior centro econômico do país, o maior espaço cultural do país, em criação e eventos- ainda não tenha transformado a cultura como vetor do desenvolvimento. E isso implica em vontade política, em recursos, redesenhos institucionais, integração de políticas, debate público, ética do cuidado em relação ao bem comum. Bem comum – esta é uma das chaves para o direito à cidade e o reencantamento do urbano.
E não há reencantamento sem cultura. É esta a diferença. A cultura pode reencantar a cidade.
E a cultura de paz é a alma do reencantamento do mundo.
Hamilton Faria é poeta, diretor do Instituto Pólis e coordenador da área de cultura e do Pontão de Convivência e Cultura de Paz.
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